terça-feira, 16 de abril de 2013

Da vida. Constatação.


Cheguei a um momento da vida em que me apercebo (tristemente) que a família foi diminuindo drasticamente ao longo dos anos. Primeiro os avós, depois alguns tios. Sinto tristeza por não ter convivido muito tempo com os meus avós e com a minha tia (lembro-me tão bem de estar de fato de banho rosa no seu jardim e de ela ligar o sistema de rega/mangueira e me molhar toda). Há momentos que não se esquecem. 

Esta saudade, pelos que já partiram... pode ser comparada à leitura do poema do Fernando Pessoa (aka Álvaro de Campos), "No dia do meu aniversário". A verdade é que as pessoas não são eternas, mas o que elas nos ensinam acaba por sê-lo, fica connosco e acompanha-nos para onde quer que vamos. 

Lá está, há pessoas que nós nunca esqueceremos e parece que estão sempre connosco. Outras há que passaram na nossa vida, mesmo familiares, e não depositaram em nós nada substancial. 


Aqui fica o poema, para os que tiverem paciência para o ler, de Fernando Pessoa:

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

2 comentários :

Isabel disse...

A poesia dele é demasiado dura e real, deixa-me triste e por isso não gosto de a ler... Isto porque tenho muita facilidade em ficar deprimida e por isso tento rodear-me de coisas positivas...

Beijinhos :)

A' disse...

tens toda a razão, deixamos de as ver, mas nunca de as sentir bem perto do nosso coração :)
ps. tenho um selo para ti lá no blog
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